Hoje eu quero discutir com vocês um estudo bem interessante que avaliou uma estratégia de prevenção primária da alergia à proteína do leite de vaca (APLV): o uso de fórmula elementar (também conhecida como fórmula de aminoácidos) nos primeiros dias após o nascimento, ao invés da fórmula infantil polimérica.
Esse ensaio clínico randomizado, finalizado no Japão em 2018, tinha como objetivo determinar se evitar o uso de fórmulas de proteína intacta ao nascimento poderia reduzir o riscos de sensibilização à proteína do leite de vaca e/ou APLV.
Para isso, as 312 crianças incluídas nesse estudo fora divididas em dois grupos randomizados logo que nasceram e acompanhadas por 2 anos:
- Grupo LM+FE: recém-nascidos que receberam leite materno (LM) com ou sem a fórmula elementar (FE) durante pelo menos os 3 primeiros dias de vida
- Grupo LM+FP: recém-nascidos que receberam LM e Fórmula Polimérica (FP) desde o primeiro dia de vida
Eles avaliaram como desfecho primário a sensibilização ao leite de vaca através da dosagem de IgEs no 5º mês de vida e como desfecho secundário a ocorrência de alergias alimentares, inclusive APLV, através de testes de provocação oral nas crianças com sintomas sugestivos.
Comparando os dois grupos, eles observaram que as crianças expostas à fórmula polimérica desde o primeiro dia de vida apresentaram um maior percentual de sintomas de alergia IgE-mediada, anafilaxia e APLV com relevância estatística.
Com relação às crianças que foram diagnosticadas com APLV durante o estudo, todos os pacientes do grupo LM+FE desenvolveram tolerância ao alérgeno no segundo ano de vida, o que não foi visto no grupo que fez uso da fórmula polimérica, onde 2,6% persistiram com a alergia alimentar.
Então, os autores desse ensaio sugerem ser interessante evitar fórmulas infantis pelo menos nos primeiros 3 dias de vida, pois essa medida reduziu não apenas o risco de APLV, mas também de outras apresentações de alergias alimentares.
Dessa forma, eles concluem que não apenas a sensibilização ao leite de vaca, mas também as alergias alimentares são preveníveis evitando-se a suplementação de Fórmulas Poliméricas ao nascimento.
E o que isso quer dizer na prática clínica?
- Para evitar o uso de fórmulas poliméricas nos primeiros dias de vida DEVEMOS estimular o aleitamento materno exclusivo.
- No entanto, quando há desafios relacionados à amamentação, PODERÍAMOS oferecer fórmulas elementares nos primeiros dias após o nascimento, ao invés das fórmulas de proteína intacta.
Outro ponto que está longe de ser esclarecido e que o pesquisador aborda é que o fator protetor do não uso de FP foi observado no subgrupo cujos níveis séricos de 25OH-Vitamina D eram maiores, podendo demonstrar uma relação desse hormônio no mecanismo imunológico das alergias.
Apesar disso, no item de limitações, esses pesquisadores citam diversos fatores que podem interferir na interpretação desse resultado: um deles seria o viés de seleção, pois incluiu apenas bebês com risco de atopia (história familiar), o que limita substancialmente a possibilidade de extrapolar o seu resultado para a população em geral.
A intervenção foi heterogênea, com variabilidade considerável na duração do período em que a fórmula polimérica foi evitada no grupo LM+FE: apenas 12% desse grupo mantiveram a restrição da PLV por 5 meses, enquanto em 7,3% deles a FP foi introduzida nas primeiras 2 semanas de vida. Em suma, a intervenção não estava claramente definida, o que compromete seriamente a validade do protocolo do estudo e, portanto, a confiabilidade de seus resultados.
Também encontrei um Consenso elaborado pela Associação Espanhola de Pediatria que aborta justamente esse tema. Após uma revisão sistemática de literatura, a opinião desses experts é de que, baseado nas evidências atuais, não é possível estabelecer recomendações claras no que diz respeito à exclusão da PLV na primeira semana de vida para efeito de prevenção da APLV. Esse documento defende que, diante da necessidade de alguma forma de complementação à amamentação na primeira semana de vida, não devem ser fornecidas rotineiramente fórmulas extensamente hidrolisadas ou elementares com o objetivo de prevenir APLV (100% dos experts foram de acordo com essa recomendação).
Depois de tudo isso, destaco:
- Apesar das limitações desse ensaio clínico, sugere-se que evitar a introdução de fórmula polimérica ainda nos primeiros dias de vida (pelo menos os 3 primeiros dias) poderia proteger contra o desenvolvimento de alergias alimentares, incluindo APLV.
- Embora esses dados sugiram que evitar fórmulas de proteína intacta nos primeiros dias pode ser algo benéfico em crianças com risco de doença atópica, estes resultados não são conclusivos e não pode ser generalizado para bebês sem esse risco.
- Partindo da hipótese de que recém-nascidos carregam em si uma imaturidade de todo trato digestivo, uma microbiota ainda em formação e um aumento da permeabilidade intestinal, é possível que os mesmos sejam mais suscetíveis a resposta imunológica alérgica se forem apresentados precocemente à PLV.
- Precisamos de mais estudos para comprovar isso, até para saber o que (fórmula extensamente hidrolisada? Fórmula elementar?) e quanto tempo usar (3, 7, 14 dias?).
Qual opinião de vocês sobre o tema? Já prescreveram fórmula elementar no intuito de prevenir APLV?