Vamos continuar a nossa discussão sobre as recomendações atuais de probióticos em gastropediatria. Hoje, trago as orientações acerca do uso de cepas com alguma evidência científica nos quadros de cólica infantil, constipação funcional e dor abdominal funcional, alguns distúrbios da interação do eixo intestino-cérebro, antes denominados distúrbios gastrointestinais funcionais.
Cólica infantil - Tratamento
L. reuteri DSM 17938
L. reuteri DSM 17938 é o probiótico mais estudado para o manejo da cólica infantil atualmente. Um total de 4 ensaios clínicos envolvendo 345 bebês com cólica, sendo estes em regime de amamentação exclusivo ou predominante, documentou que a administração de L. reuteri DSM 17938 aumentou significativamente o sucesso do tratamento, com redução de pelo menos 50% no tempo de choro.
- A recomendação: os profissionais de saúde podem recomendar L. reuteri DSM 17938 na dose de 108UFC/dia por pelo menos 21 dias para manejo de cólica infantil em bebês amamentados. Certeza da evidência: Moderada. Grau de recomendação: Fraco.
"Isso quer dizer que o L. reuteri só pode ser usado em crianças que estão sendo amamentadas?"
Não! O que acontece é que não há estudos realizados na população de bebês não amamentados e por isso nada se pode afirmar formalmente sobre essa indicação. Na minha prática, eu utilizo como alternativa para tratamento da cólica mesmo nos bebês que recebem apenas fórmula infantil.
Veja o que o documento diz sobre isso: Nenhuma recomendação pode ser feita a favor ou contra o uso de L. reuteri DSM 17938 para o gerenciamento de cólica infantil em bebês alimentados com fórmula devido à insuficiência de evidência.
Bifidobacterium animalis subsp. lactis BB-12
Uma cepa comercializada mais recentemente no nosso País, por isso não tão conhecida como a anterior, o BB-12 também demonstrou ser uma alternativa para o manejo da cólica em bebês. Em um ensaio com 80 bebês amamentados apresentando choro e agitação excessivos, possivelmente relacionados a cólica, evidenciou-se que, em comparação com o placebo, a administração de B. lactis BB-12 na dose de 109 UFC/dia, por 28 dias aumentou a taxa de sucesso do tratamento, definida como uma redução no tempo de choro diário ≥50% (RR 2,46; IC 95%: 1,5–3,95).
Um ensaio clínico de 2021 realizado na China com bebês ≤7 semanas, amamentados, e com cólica demonstrou que, em comparação com o placebo, a administração de B. lactis BB-12 (1x109UFC/dia) durante 3 semanas aumentou significativamente o sucesso do tratamento (RR 2,8; IC 95%: 1,9–4,2).
- A recomendação: podemos recomendar B. lactis BB-12 (109 UFC/dia, por 21 a 28 dias) para o tratamento de cólicas infantis em bebês amamentados. Certeza da evidência: Moderada. Grau de recomendação: Fraco.
Mais uma vez, a expressão “bebês amamentados” se repete. Mas já entendemos que isso não limita a possibilidade de uso em lactentes em uso de fórmula, não é? O que acontece é que também não há estudos realizados com bebês não amamentados e, por isso, não se pode recomendar (nem contra-indicar) formalmente tal cepa nessa população.
Cólica infantil - Prevenção
Pergunta constante: “meu bebê saiu da maternidade com um receituário com probiótico pra prevenção de cólica, isso funciona?” E aí, o que você responderia?
Pois é, as evidências não falam a favor do uso de probiótico para prevenção de cólica infantil. Algumas cepas foram testadas, mas, quando comparadas com placebo, não mostraram ter vantagem para reduzir a ocorrência da cólica.
Uma revisão Cochrane de 2019 identificou 6 ensaios clínicos, envolvendo 1.886 bebês, que comparou probióticos com placebo para prevenir cólica infantil. Os resultados que envolviam 3 ensaios com L rhamnosus GG e 2 produtos multi-cepas foram avaliados e encontraram ocorrência semelhante de novos casos de cólica nos grupos probióticos e placebo.
Ou seja, nenhuma recomendação pode ser feita a favor ou contra o uso de qualquer um dos probióticos estudados até agora para prevenir cólica infantil devido a evidências insuficientes.
Dor abdominal Funcional
Antes de começar, vale relembrar que a dor abdominal funcional está dividida em 4 categorias: Dispepsia funcional, Síndrome do intestino irritável (SII), Enxaqueca abdominal e Dor abdominal funcional inespecífica.
Três revisões sistemáticas e metanálises recentes foram identificados para se formular as recomendações desse paper position. Os únicos probióticos avaliados em mais de 2 ensaios foram L. reuteri DSM 17938 e L. rhamnosus GG. Constatou-se que o uso de L. rhamnosus GG aumentou moderadamente o sucesso do tratamento, particularmente entre crianças com SII (3 ECRs, n = 167; RR 1,70, 95%; IC: 1,27–2,27), reduzindo a frequência e intensidade da dor abdominal nessas crianças. A dose diária de L. rhamnosus GG variou de 109 UFC duas vezes ao dia para 3x109 UFC duas vezes ao dia.
Em comparação com o placebo, L. reuteri DSM 17938 demonstrou melhorar dor abdominal. Houve redução significativa na intensidade da dor (6 ECRs, n = 380, MD −1,24, IC 95%: −2,35 a −0,13) e um aumento em número de dias sem dor (2 ECRs, n = 101, MD 26,42 dias, IC 95%: 22,67–30,17). Para todos os outros resultados, não houve diferença entre os grupos probiótico e placebo.
- A recomendação: podemos recomendar L. reuteri DSM 17938 em uma dose de 108UFC a 2x108UFC/dia para redução da intensidade da dor em crianças com dor abdominal funcional. Certeza da evidência: Moderada. Grau de recomendação: Fraco.
- A recomendação: podemos recomendar L. rhamnosus GG em uma dose de 109 UFC a 3x109 UFC duas vezes ao dia para a redução da frequência e intensidade da dor em crianças com SII. Certeza da evidência: Moderada. Grau de recomendação: Fraco.
Constipação funcional
Algumas revisões foram avaliadas para definir as recomendações do uso de probióticos quando o assunto é a constipação funcional.
A revisão sistemática e meta-análise mais recente (2022), que avaliou 12 estudos, incluindo 965 crianças e 2 estudos de acompanhamento, incluindo 166 crianças, investigaram o efeito de probióticos versus placebo ou tratamento laxante. Devido ao alto grau de heterogeneidade entre os estudos, os autores concluíram que ensaios clínicos randomizados de alta qualidade sobre probióticos e constipação funcional em crianças são necessários antes que mudanças nas diretrizes atuais sejam indicadas.
Para a formulação desse documento, foram incluídas apenas duas cepas que tinham sido testadas em pelo menos dois ensaios clínicos (L. casei rhamnosus Lcr35 e L. reuteri DSM 17938). No entanto, quando comparados com o placebo, nenhum mostrou diferença significativa quanto ao sucesso do tratamento. As conclusões das revisões sistemáticas apoiam a atual recomendação da ESPGHAN/NASPGHAN de que os probióticos não devem ser utilizado no tratamento da constipação funcional em crianças.
- A recomendação: podemos NÃO recomendar o uso de probióticos como terapia única ou adjuvante para tratamento da constipação funcional em crianças devido à FALTA DE EFICÁCIA. Certeza da evidência: Moderada. Grau de recomendação: Fraco.
Depois de ler isso, vemos que é mais prudente não recomendar o uso de probióticos na constipação, uma vez que, os poucos que têm estudos, se mostraram ineficazes.
“Ah, mas eu uso e melhora!” Sim, é possível que haja uma melhora no hábito intestinal quando temos um grau de disbiose associado ou mesmo uma SII com predomínio de constipação. Então, cabe a nós, pediatras, individualizarmos cada caso antes de prescrever.
Se você quiser ler sobre o uso de probióticos nos quadros de diarreia, clique aqui.
Para ler o Paper position da ESPGHAN na íntegra, clique aqui.