Tema um tanto quanto polêmico, já que há uma superprescrição de cepas não estudadas para as mais diversas finalidades. O fato é que há um longo e promissor caminho a ser percorrido nesse mundo de microbiota e probióticos.
Neste ano, a ESPGHAN lançou um Paper position que reune algumas recomendações do uso de probióticos baseados em estudos randomizados controlados e metanálises publicadas até 2021.
Como se trata de um documento extenso, decidi dividir em algumas partes e nessa primeira vou falar sobre as orientações de prescrição, citando nomes comerciais e posologia baseada nas doses recomendadas e apresentações comercializadas atualmente no Brasil.
Diarreia infecciosa aguda
L. rhamnosus GG
Há evidência de que crianças que recebem L. rhamnosus GG têm redução de 1 dia na duração do quadro e diminuição do risco de diarreia com duração superior a 3-4 dias. Há também redução do tempo de internação em crianças com diarreia viral que foram hospitalizadas. No entanto, o melhor efeito de L. rhamnosus GG na duração da diarreia e produção de fezes foi demonstrado para doses superiores a 1.10¹º UFC/dia.
Segundo o Paper Position discutido nesse artigo, a cepa de L. rhamnosus GG descrita neste tópico do documento, trata-se da cepa ATCC53103. No entanto, em 2019, verificou-se que a cepa LGG ATCC53103 não era geneticamente idêntica a LGG® (DSM33156). As medicações disponíveis no mercado brasileiro de LGG (citadas abaixo) referem-se a esta última (DSM33156), considerada o probiótico mais estudado do mundo e com boa segurança, sendo uma marca registrada de do laboratório Chr. Hansen.
- A recomendação: Podemos recomendar Lacticaseibacillus rhamnosus (L. rhamnosus) GG em um dose de ≥1.10¹ºUFC/dia, por 5–7 dias, para o manejo de gastroenterite aguda em crianças, uma vez que há evidências de redução da duração da diarreia, tempo de hospitalização e produção de fezes (nível de evidência: baixa; grau de recomendação: fraco).
S. boulardii
Os estudos randomizados e metanálises demonstraram que S. boulardii reduziu a duração da diarreia, redução da duração da hospitalização e risco de diarreia do dia 2 ao dia 7 na evolução do quadro. Em muitos ensaios, a designação da cepa de S. boulardii não estava disponível. No entanto, quando presente ou avaliado retrospectivamente, a cepa mais utilizada foi a S boulardii CNCM I-745, disponibilizada no mercado brasileiro com o nome de Floratil.
Com base em uma meta-análise recente, S. boulardii foi, entre as outras cepas avaliadas, a mais eficaz na redução da duração de diarreia em comparação com placebo (evidências moderadas). Diante dessa informação, seria possível presumir que, nas diarreias agudas, a preferência de prescrição seria por esse probiótico.
No entanto, deve ser evitado em pacientes imunocomprometidos e hospitalizados com cateter venoso central, devido ao risco de fungemia e sepse. Este medicamento também contém lactose e, portanto, pode conter traços de leite, ou seja, seu uso também deve ser individualizado para pacientes com alergia à proteína do leite de vaca.
- A recomendação: podemos recomendar Saccharomyces boulardii na dose de 250–750 mg/dia, durante 5–7 dias, para o tratamento da gastroenterite aguda em crianças, uma vez que há evidências de redução da duração da diarreia (certeza da evidência: baixa; grau de recomendação: fraco).
L. reuteri
Entre outros estudos analisados, verificou-se em um deles que a administração de L. reuteri DSM 17938 em comparação com o placebo reduziu a duração da diarreia em torno de um dia e aumentou a taxa de cura no dia segundo dia de sintomas. Além disso, crianças hospitalizadas por gastroenterite aguda e recebendo L reuteri DSM 17938 tiveram um tempo de internação mais curto.
- A recomendação: Os profissionais de saúde podem recomendar Limosilactobacillus reuteri (L. reuteri) DSM 17938 em doses diárias 1.108 a 4.108 UFC, por 5 dias, para manejo de gastroenterite aguda em crianças, uma vez que há evidências de duração reduzida da diarreia (certeza da evidência: muito baixo; grau de recomendação: fraco).
Outros
A combinação de L. rhamnosus 19070-2 e L. reuteri DSM 12246 (FloraActive™) também é citada como recomendada, no entanto essas cepas não estão disponíveis no Brasil. Não há recomendação: Lactobacillus helveticus R0052 e L rhamnosus R0011 e cepas de Bacillus clausii O/C, SIN, N/R e T para o manejo gastroenterite aguda em crianças devido à falta de eficácia.
Prevenção da diarreia associada a antibióticos
As evidências têm mostrado consistentemente que a maioria dos probióticos testados reduz significativamente o risco de DAA. As metanálises de cepa única mostram que, em comparação com o grupo placebo ou nenhuma intervenção, probióticos como S. boulardii ou L. rhamnosus GG, quando administrados simultaneamente ou imediatamente após o início da terapia antibiótica, reduzem o risco de diarreia associada a antibióticos (DAA).
Uma revisão da Cochrane de 2019 identificou 33 ERCs envolvendo 6.352 participantes. Os probióticos avaliados incluía Bacillus spp, Bifidobacterium spp, Clostridium butyricum, Lactobacilli spp, Lactococcus spp, Leuconostoc cremoris, Saccharomyces spp, ou Streptococcus spp, isoladamente ou em combinação. Houve redução significativa na incidência de DAA nos grupos probióticos em comparação com os grupos de controle. Nos estudos de altas doses (≥5 bilhões de UFC por dia), a incidência de DAA foi reduzida nos grupos probióticos em comparação com os grupos de controle.
Para a prevenção de diarreia associada ao Clostridioide difficile, sugere-se o uso de S. boulardii (baixa qualidade de evidência, recomendação condicional).
- A Recomendação: se o uso de probióticos para prevenção da DAA for considerado devido à existência de fatores de risco como classe de antibiótico(s), duração do tratamento, idade, necessidade de internação, comorbidades ou episódios anteriores de DAA, podemos recomendar altas doses (≥5.109UFC por dia) de S. boulardii ou L. rhamnosus GG, sendo iniciados simultaneamente com a antibioticoterapia para prevenir DAA em pacientes ambulatoriais e crianças hospitalizadas (nível de evidência: moderada; grau de recomendação: forte).
Apesar de haver recomendação para o uso do Floratil (S. boulardii), uma vez que uma unidade desse probiótico contém em torno de 1,25.109UFC e para a prevenção de da DAA são necessárias altas doses, é possível que os custos inviabilizem a prescrição de tal medicação para essa finalidade.
Prevenção da diarreia nosocomial
As infecções gastrointestinais são responsáveis pela maioria das infecções adquiridas ou associadas aos cuidados de saúde que ocorrem após 48 horas da admissão ou dentro de 48 horas após a alta. Até um terço das crianças internadas pode apresentar um episódio de diarreia nosocomial. Diante dessa problematização, alguns estudos surgiram com a estratégia do uso de probióticos para prevenir esses eventos.
- A Recomendação: podemos recomendar L. rhamnosus GG (pelo menos 1.109 UFC/dia) durante a internação hospitalar para prevenção da diarreia nosocomial em crianças (certeza de evidência: moderada; grau de recomendação: fraco). Já o L. reuteri DSM 17938 não deve ser recomendado para esta finalidade devido à falta de eficácia.
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